Notícias
Mitos e verdades sobre alimentos considerados saudáveis
12 de Julho de 2019
VEJA
Toda mudança de comportamento pressupõe, historicamente, um manifesto que a oriente — se fosse o caso de apontar um documento deflagrador dos novos hábitos alimentares do mundo ocidental, a melhor escolha seria o livro Em Defesa da Comida, do americano Michael Pollan, lançado em 2008 e que atravessaria um par de anos na lista dos mais vendidos, nos Estados Unidos e também no Brasil. Não por acaso o título tinha o aposto que lhe cabia perfeitamente — “um manifesto” —, pela força de suas teses e por seu extraordinário poder de reunir os conhecimentos adquiridos no passado para misturá-los em um liquidificador com as descobertas do presente. Instado a responder à pergunta supostamente complicadíssima sobre o que os seres humanos devem comer para ser saudáveis ao máximo, Pollan anotou: “Coma comida. Não em excesso. Principalmente vegetais”. E acrescentou em outra obra, numa frase já antológica, dada sua concisão didática: “Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida”. O raciocínio de Pollan, ancorado nessas duas afirmações, irretocáveis, funcionou à perfeição até ser atropelado pela velocidade das informações que circulam nas redes sociais, pelo excesso de palpites transformados em leis científicas e, sim, pela proliferação de fake news(olha elas aí, onipresentes) no trato com o que digerimos.
O exagero e a desinformação nos trouxeram ao ponto em que estamos hoje: a louvação de supostos alimentosmágicos, que de mágicos nada têm, e que poderiam ser definidos como falsos saudáveis. É tanta propaganda enganosa que até nossas avós cairiam na balela — e não se trata, simplesmente, da condenação dos produtos industrializados. Há mentiras a respeito de frutas, vegetais, cereais, leguminosas e grãos, esses que existem desde sempre na natureza.
Dificilmente a musa fitness do Instagram postará a foto de um suculento hambúrguer de carne de vaca — mas é certo que alardeará a receita do prato preparado com carne de soja. Presunto e salame? Nem pensar. Uma fatia de peito de peru no café da manhã? Com certeza. Carne de soja e peito de peru são recomendáveis, ainda que um tanto sem graça, ressalve-se, mas não resolvem todos os problemas do mundo. “Supervalorizar um alimento pela fama de ser saudável é tão ingênuo quanto demonizar outros a ponto de excluí-los de sua dieta”, diz o endocrinologista Francisco Tostes, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. As coisas andavam em banho-maria, na trilha doméstica proposta por Pollan, até que, em 2011, outro livro, Barriga de Trigo, do cardiologista americano William Davis, pôs em cena um personagem que viraria símbolo da atual onda de propagar benefícios nem tão positivos assim e divulgar malefícios nem tão prejudiciais: o glúten, proteína encontrada no trigo, na cevada e no centeio.
Ele teria de ser banido por fazer mal à digestão. E o glúten virou vilão, sobretudo entre pessoas de alto poder aquisitivo. Colou, porque subtraí-lo da dieta — e, portanto, reduzir o consumo do trio trigo-cevada-centeio — faz perder peso, devido à supressão do pão, do macarrão, de bolos, biscoitos e tortas, além de outros carboidratos simples de índice glicêmico elevado. Não há nada, contudo, que comprove os danos provocados pelo glúten, a não ser para quem tem alguma intolerância à substância, como os portadores de doença celíaca — e, nesses casos, o glúten causa atrofia da mucosa do intestino, prejudicando a absorção de nutrientes. Os celíacos representam menos de 1% da população. Ainda assim, estima-se que 3 milhões de americanos saudáveis tenham declarado guerra ao glúten. No Brasil, levantamento realizado em 2017 pela área de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Editora Abril mostrou que 19% dos adultos aderiram ao modismo “não ao glúten” como quem pretende derrubar um presidente.
Para ler o texto na íntegra, clique aqui.